Por Allison Webster, PhD, RD
publicado em: 15 DE FEVEREIRO DE 2019
Destaques
- Em um grande estudo observacional, mulheres que relataram beber mais de duas porções de bebidas dietéticas por dia apresentaram maiores riscos de acidente vascular cerebral, doença cardíaca e mortalidade geral. A associação entre bebidas dietéticas e risco de acidente vascular cerebral foi mais forte em mulheres obesas e mulheres negras.
- O consumo de bebidas dietéticas foi avaliado apenas uma vez, portanto, mudanças na ingestão ao longo do tempo não puderam ser avaliadas. A ingestão de adoçantes de baixa ou sem caloria de alimentos ou de porção de embalagem única não foi medida.
- Estudos observacionais não podem provar causa e efeito, e há muitas limitações para este estudo que podem ter influenciado os resultados – incluindo coleta do consumo alimentar incompleta e propensa a erros, causalidade reversa, incapacidade de diferenciar tipos de adoçantes de baixa e sem caloria, e confusão residual.
- Este estudo contribui para o corpo de evidências sobre o impacto das bebidas dietéticas nos resultados de saúde, mas os resultados devem ser interpretados com cautela. São necessários estudos randomizados e controlados de longo prazo com melhor coleta de alimentos e bebidas consumidas.
Um novo estudo publicado na revista Stroke acaba de sair das prensas, e vem recebendo atenção da mídia pelos resultados sobre o consumo autodeclarado de bebidas adoçadas com adoçantes de baixa e sem caloria (referidas como “bebidas dietéticas”) e seu impacto sobre a saúde cardiovascular. Quando estudos como esses viram manchetes, é fácil que os detalhes críticos se percam no noticiário. Aqui está nossa opinião sobre as últimas pesquisas.
Como Este Estudo foi Conduzido?
O objetivo deste estudo foi investigar a associação de bebidas dietéticas com risco de desfechos de doença cardiovascular, como acidente vascular cerebral, doença coronariana e morte. Esta pesquisa foi realizada como parte do Women’s Health Initiative Observational Study de longa duração, que começou na década de 1990 para estudar a saúde de mais de 90.000 mulheres na pós-menopausa com idades entre 50 a 79 no início do estudo. O presente estudo analisou o consumo de bebida dietética de 81.714 mulheres usando um único questionário de frequência alimentar (QFA) que foi administrado após os participantes terem sido incluídos no estudo durante três anos. Foi feita uma pergunta aos participantes sobre o tema bebidas dietéticas, usando um tamanho padrão de 350 ml (a quantidade em uma lata de refrigerante): “Nos últimos 3 meses, com que frequência você consumiu essas bebidas?” A categoria de bebidas de baixa caloria incluiu, colas adoçadas artificialmente, refrigerantes e bebidas de frutas, mas não mencionaram bebidas como café ou chá com adoçantes de baixa ou sem caloria. Além disso, nenhuma informação sobre o tipo específico de adoçante de baixa ou sem caloria das bebidas foi coletada.
Após um tempo médio de acompanhamento de quase 12 anos, os pesquisadores confirmaram o número de vários tipos diferentes de acidente vascular cerebral, doença coronariana e morte por todas as causas que ocorreram na população do estudo.
Quais Foram os Resultados?
A maioria das mulheres (quase dois terços das mais de 80.000 participantes) eram consumidoras pouco frequentes (nunca ou menos de 1 por semana) de bebidas dietéticas, com apenas 5,1 por cento das mulheres consumindo 2 ou mais por dia (igual a 700 ml ou mais). As mulheres que consumiram mais bebidas dietéticas tendiam a ser mais jovens, tinham níveis mais altos de educação, maior renda, maior consumo de energia, menor qualidade geral da dieta, níveis mais baixos de exercício e histórico médico de diabetes, ataque cardíaco ou derrame. Elas eram mais propensas a ter excesso de peso ou obesidade, relataram uma história de nunca ter fumado ou fumado no passado e relataram o consumo de álcool.
Em comparação com as consumidoras de bebidas dietéticas menos frequentes, as mulheres que consumiram duas ou mais porções de bebidas dietéticas por dia tinham:
- 23 por cento maior risco de qualquer tipo de acidente vascular cerebral
- 31 por cento maior risco de acidente vascular cerebral causado por um coágulo de sangue (também conhecido como um acidente vascular cerebral isquêmico)
- 29 por cento maior risco de desenvolver doença cardíaca
- 16 por cento maior risco de morrer por qualquer causa
Esses riscos foram definidos após o controle de muitos fatores, mas não todos, que poderiam influenciar os resultados, incluindo itens como idade, história de tabagismo ou hipertensão arterial. O risco de acidente vascular cerebral era aumentado ainda mais nas mulheres obesas e nas mulheres negras que relataram maior consumo de bebida dietéticas, em comparação com outros dados demográficos raciais. As mulheres brancas com maior ingestão de bebidas dietéticas, no entanto, tiveram um risco aumentado de doença cardíaca coronária, em comparação com outros grupos demográficos.
Como os Questionários de Frequência Alimentar (QFAs) São Usados na Pesquisa Nutricional?
Os QFAs, como o utilizado neste estudo em particular, desempenham um papel importante na coleta de mais informações sobre padrões alimentares ao longo do tempo. Os dados dos QFAs são frequentemente usados para avaliar como esses padrões alimentares podem estar associados a certos desfechos de saúde. No entanto, isso não significa que os QFAs sejam perfeitos. De fato, há muitos problemas inerentes aos QFAs, incluindo o fato de que muitos de nós fazemos um trabalho muito ruim de informar com precisão o que comemos ou bebemos quando solicitados a fazê-lo. Poderia haver várias razões para essa discrepância, incluindo a subnotificação do consumo de alimentos percebidos como “insalubres”, o excesso de relatórios de consumo de alimentos “saudáveis”, o cálculo errado de porções ou simplesmente a não lembrança. Além disso, quando estudos como este perguntam aos participantes sobre seus hábitos de comer e beber apenas uma vez, eles são incapazes de medir mudanças no consumo ao longo do tempo. Por exemplo, se um participante dissesse que consumiu uma média de uma bebida por dia no início do estudo e depois aumentou ou diminuiu o consumo médio diário, não há como saber sobre essa mudança.
Estudos observacionais usando QFAs podem ser os primeiros passos importantes na construção do maior corpo de compreensão científica, mas são apenas isso – os primeiros passos. Esses tipos de estudos não podem estabelecer causa e efeito; pelo contrário, eles podem ajudar a subsidiar estudos experimentais, como ensaios controlados randomizados – o padrão-ouro de um projeto de pesquisa. Ter dados observacionais e experimentais leva a avanços científicos em nutrição e na ciência de alimentos.
Forças e Limitações do Estudo
Os pontos fortes deste estudo incluíram o grande tamanho da amostra e o tempo de seguimento relativamente longo de mais de uma década. Os pesquisadores também tentaram reduzir o impacto da causalidade reversa, realizando uma análise que excluía as mulheres que haviam sido diagnosticadas com diabetes ou doença cardiovascular antes da administração do QFA. Como, é possível que essas mulheres tenham mudado do consumo de bebidas açucaradas (SSB na sigla em inglês) para bebidas dietéticas por causa de seu diagnóstico, removê-las reduziu o potencial de culpar as bebidas dietéticas como motivo de sua condição de saúde – quando realmente foi a condição de saúde que ajudou instigar o consumo de bebidas dietéticas. No entanto, os autores de um editorial que acompanhou o artigo enfatizaram que essa análise “não pode excluir totalmente a possibilidade de causalidade reversa, no entanto, não excluiu todos os participantes com pre-diabetes, sobrepeso e obesidade, ou a síndrome metabólica”. Cada uma dessas condições está ligada ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares ao longo do tempo, e esses participantes também podem ter trocado para bebidas dietéticas na tentativa de perder peso ou controlar o açúcar no sangue.
Uma limitação importante deste estudo é o seu desenho observacional. Temos falado sobre as limitações dos estudos observacionais constantemente, sendo que o principal problema é que eles não podem provar causa e efeito (ou seja, que as bebidas dietéticas causam acidentes vasculares cerebrais ou doenças cardíacas). Os efeitos causais só podem ser testados por meio de ensaios clínicos randomizados (RCTs na sigla em inglês), que designam algumas pessoas para receber uma intervenção (neste caso, seriam bebidas dietéticas) e outras para receber placebo ou outro substituto (como água ou uma bebida sem os adoçantes de baixa e sem caloria) e medir as diferenças entre os grupos. Os ECRs feitos com bebidas dietéticas e as consequências sobre a saúde têm sido conduzidos, mas eles geralmente são muito curtos na duração para determinar uma ligação entre os resultados que se desenvolvem ao longo do tempo, como a doença cardiovascular. Os ECRs de longo prazo são necessários para coletar informações de alta qualidade.
Também é fundamental destacar os métodos precários pelos quais os pesquisadores avaliaram a ingestão de adoçantes de baixa e sem caloria. As informações sobre o consumo de bebidas dietéticas foram coletadas apenas uma vez, a partir de uma única pergunta, de modo que não há como saber se as mulheres mudaram seu consumo ao longo do tempo. Além disso, como mencionado anteriormente, a ingestão alimentar autorreferida é propensa a erros e imprecisões de causas conhecidas e desconhecidas. Adoçantes de baixa e sem caloria também são encontrados em vários alimentos, incluindo iogurtes, barras nutricionais, molhos e doces, e são comumente adicionados a alimentos e bebidas por meio do uso de sachês de dose única. Não é dada nenhuma informação sobre a ingestão total de adoçante, portanto, o impacto dos adoçantes de alimentos e bebidas, ou seu efeito combinado, não pode ser avaliado por este estudo. Por fim, a forma como a informação foi coletada proibiu a diferenciação entre os diferentes tipos de adoçantes de baixa e sem caloria, todos os quais são biologicamente distintos e podem ter efeitos muito diferentes no corpo. Agrupar todos os adoçantes não fornece informações úteis sobre exatamente quais adoçantes podem ter afetado os resultados e quais não tiveram efeitos – nem mesmo benéficos. Estudos futuros precisam fazer um trabalho melhor de medir a duração e os padrões de uso das bebidas dietéticas, bem como, as razões para consumi-las.
Finalmente, questões relacionadas à confusão e generalização para outras populações são importantes a considerar ao interpretar os resultados do estudo. Como este estudo foi realizado em mulheres na pós-menopausa, as conclusões não são diretamente aplicáveis a outras populações, incluindo homens e mulheres com menos de 50 anos. E, embora os pesquisadores tenham levado em conta muitos fatores que poderiam influenciar a relação entre as bebidas dietéticas e as doenças cardiovasculares, é provável que outros fatores importantes não tenham sido introduzidos na análise, deixando a porta aberta para confusões residuais. Por exemplo, a mudança de peso ao longo do tempo e os hábitos alimentares antes do início do estudo não foram considerados. Essa não é apenas nossa perspectiva – os autores do editorial também comentaram que esses são “possíveis fatores explicativos importantes para as associações observadas”.
Considerações Finais
O papel das bebidas em nossa dieta é um tema muito debatido em nutrição. A American Heart Association (AHA) publicou recentemente um parecer científico afirmando que não havia pesquisa científica suficiente para concluir que as bebidas dietéticas alteram ou não os fatores de risco para doenças cardíacas e derrames. A AHA também afirmou que as bebidas dietéticas podem ajudar a substituir bebidas açucaradas e de alto teor calórico, mas recomenda a água como a melhor escolha para uma bebida sem caloria. As Diretrizes Dietéticas dos EUA de 2015 fazem uma recomendação semelhante.
Enquanto os adoçantes de baixa e sem caloria continuam a ser estudados por pesquisadores independentes, eles têm sido exaustivamente revisados e considerados seguros pelos órgãos reguladores em todo o mundo, incluindo a Food and Drug Administration dos EUA e a European Food Safety Authority.
Como afirmam os autores do editorial, “campanhas contínuas de saúde pública para reduzir o consumo de bebidas açucaradas são prudentes. Substituir as bebidas adoçadas com açúcar (SSB na sigla em inglês) por água é um desafio para os consumidores mais exigentes.” Escolher bebidas dietéticas em vez de opções de alto teor calórico é uma das muitas ferramentas que os consumidores podem usar para ajudar a controlar a ingestão de açúcar adicionado e manter as calorias sob controle – ambos componentes importantes na redução do risco de doenças relacionadas à dieta e na manutenção da boa saúde.
Este artigo inclui contribuições de Kris Sollid, RD.