Por Kris Sollid, RD
POSTADO – 11 DE JULHO DE 2019
Destaques
- Um grande estudo de coorte prospectivo com mais de 100.000 adultos franceses entre 2009 e 2017 constatou que:
- O aumento do consumo de bebidas açucaradas foi associado a um aumento do risco de câncer;
- O aumento do consumo de suco de frutas puro (100%) foi associado a um aumento do risco de câncer;
- Por outro lado, o consumo de bebidas adoçadas de baixa caloria, água e chá e café não adoçados não estava associado ao risco de câncer.
- O consumo de bebidas foi avaliado a partir de registros dietéticos autodeclarados.
- Os casos de câncer também foram autodeclarados.
- O objetivo deste estudo não é determinar se as bebidas açucaradas causam câncer, mas sim avaliar como certos níveis de consumo podem estar relacionados.
- De acordo com o Instituto Nacional do Câncer, “nenhum estudo mostrou que consumir açúcar vai piorar seu câncer ou que, se você parar de comer açúcar, seu câncer vai encolher ou desaparecer. No entanto, uma dieta rica em açúcar pode contribuir para o ganho de peso excessivo, e a obesidade está associada a um risco aumentado de desenvolver vários tipos de câncer”.
- As 2015-2020 Dietary Guidelines for Americans recomendou limitar o consume de açúcar adicionados para menos de 10% do total de calorias por dia.
Um novo estudo publicado no The BMJ está virando notícia, recebendo atenção da mídia por seu levantamento do consumo auto declarado de bebidas açucaradas e risco de câncer. A essa altura você, provavelmente, já viu as manchetes, mas você já leu o estudo? Nós já lemos. Aqui está a nossa opinião.
Como o estudo foi realizado?
O objetivo deste estudo foi examinar a associação de várias bebidas e o risco de câncer. Estes dados provêm da coorte francesa da NutriNet-Santé, que acompanhou mais de 100.000 adultos franceses sem câncer entre 2009 e 2018. A idade dos participantes do estudo no cadastramento variou de 18 a 72 anos, com média de 42 anos. Os indivíduos eram majoritariamente do sexo feminino (79 por cento) e o tempo médio de seguimento de cada pessoa no estudo foi de cerca de cinco anos.
Para coletar informações dietéticas, no início do estudo e a cada seis meses, os participantes preencheram três registros dietéticos validados não consecutivos, baseados na web, de 24 horas, durante um período de duas semanas. Dos três registros da dieta, dois foram feitos em dias úteis e um dos dias foi feito no final de semana. O estudo concentrou-se no consumo de bebidas e coletou informações sobre outros componentes da dieta e do estilo de vida, como tabagismo e ingestão de carboidratos, gordura, sódio e álcool.
Casos de câncer também foram auto relatados. Os registros médicos estavam disponíveis para mais de 90 por cento dos casos de câncer relatados e 95 por cento deles foram confirmados por médicos pesquisadores.
Quais foram os resultados?
O estudo descobriu que o maior consumo de bebidas açucaradas foi associado a um maior risco para câncer em geral e para câncer de mama. O aumento do consumo de suco puro (100 por cento) foi associado ao risco de câncer em geral. Por outro lado, o consumo de bebidas adoçadas de baixa caloria, água, chá e café não adoçados não estava associado ao risco de câncer.
Os pesquisadores dividiram os dados em quatro níveis de consumo de bebidas. Ao comparar os indivíduos com o maior consumo de bebidas açucaradas com o menor consumo, eles descobriram que os maiores consumidores tendem a ser mais jovens, mais educados, menos ativos fisicamente, têm menos história familiar de câncer e têm menos doenças cardiometabólicas prevalentes. Além disso, apresentaram maior consumo de calorias, carboidratos, gordura alimentar, sódio e beberam menos álcool. Eles também eram ligeiramente mais propensos a ser um fumante.
No total, 2.193 casos de câncer foram diagnosticados durante o estudo: 693 cânceres de mama, 291 cânceres de próstata e 166 cânceres colorretais. Para entender a associação potencial entre bebidas açucaradas e câncer, riscos absolutos e relativos são importantes para discutir e são explicados a seguir. O risco absoluto é calculado como o número de eventos (ou seja, novos casos de câncer) medido em um grupo dividido pelo número de pessoas nesse grupo. O risco absoluto para todo o desenvolvimento de câncer na população deste estudo foi de 2,16% (2.193 novos casos em 101.257 indivíduos no total). O risco relativo é um cálculo da quantidade do efeito que uma mudança pode ter. Neste estudo, o risco relativo para o desenvolvimento de câncer com um aumento diário de 100 mililitros (ou cerca de 1/3 de xícara) de bebidas açucaradas e suco de frutas puro (100%) aumentou em 18% e 12%, respectivamente.
Curiosamente, os pesquisadores também observaram que a associação entre refrigerante açucarado e taxa de câncer foi “borderline nonsignificant” (no limite para a não significância), ou cerca de um aumento de 3 por cento no risco relativo para cada 100 mililitros adicionais consumidos por dia. Como o consumo foi baixo nesta população, os dados não foram reportados.
Os pesquisadores supõem vários mecanismos fisiológicos para explicar suas observações, mas nenhum deles foi testado no estudo, o que tornaria os comentários sobre os mesmos, na melhor das hipóteses, especulativos.
Pontos fortes e limitações do estudo
A força deste estudo é o seu grande tamanho de amostra. A coleta de registros de dieta com mais de 100.000 indivíduos é impressionante e significa que há muita informação a ser examinada.
Dito isto, alguns indivíduos são mais rigorosos e compatíveis com seus registros de dieta do que outros. Os autores do estudo reconhecem este desafio inerente à epidemiologia nutricional quando afirmam, “é necessário encontrar um compromisso entre um número elevado de registos por paciente (melhor precisão dos dados, mas maior viés de seleção para uma população muito complacente) ou, inversamente, um menor número de registos dietéticos (menor grau de precisão mas menor viés de seleção em comparação com a população em geral). Não existe uma resposta perfeita, por isso testamos e apresentamos as diferentes possibilidades, que mostraram resultados consistentes”.
Falamos sobre as limitações dos estudos observacionais repetidamente. Os estudos observacionais são, muitas vezes, passos iniciais importantes na construção do maior corpo de compreensão científica. Mas eles não são projetados para estabelecer causa e efeito (neste caso se as bebidas açucaradas causam câncer) e, portanto, devem ser interpretados com cautela. Estudos observacionais podem informar estudos experimentais (por exemplo, estudos randomizados controlados) que são projetados para testar causa e efeito.
O objetivo deste estudo não é determinar se o consumo de bebidas açucaradas causa câncer, mas sim avaliar como certos níveis de consumo podem estar relacionados. No entanto, a evidência aleatória do estudo controlado até o momento não estabeleceu uma relação casual direta entre açúcar e câncer.
Considerações finais
Existem muitos fatores de risco para o desenvolvimento do câncer. Embora a quantidade de açúcar que você consome possa desempenhar um papel na sua saúde, o açúcar por si só não é um fator de risco para o câncer. De acordo com o National Cancer Institute, “nenhum estudo mostrou que consumir açúcar irá piorar o seu câncer ou que, se parar de comer açúcar, o seu câncer irá regredir ou desaparecer. No entanto, uma dieta rica em açúcar pode contribuir para o aumento do excesso de peso, e a obesidade está associada a um risco aumentado de desenvolver vários tipos de câncer”.
Os açúcares (naturais e adicionados) podem fazer parte de um padrão alimentar saudável, mas devem ser apenas uma pequena parte do que comemos. As Diretrizes Dietéticas de 2015-2020 para os Americanos recomendam limitar a ingestão de açúcares adicionados a menos de 10 por cento do total de calorias por dia. Estar consciente de quantas calorias nós comemos e bebemos, incluindo as do açúcar adicionado, é importante.