Por Megan Meyer, PhD | 16 de fevereiro de 2018
Última atualização 23 de fevereiro de 2018
Destaques:
- É aceito há muito tempo que consumir alimentos processados com excesso de sal, açúcar e gordura pode levar a resultados de saúde ruins, de modo que os novos achados da pesquisa de Fiolet et al. não são surpreendentes.
- Nem todos os alimentos processados são produzidos da mesma forma. Há aqueles que contribuem com vitaminas, minerais e nutrientes importantes para a nossa dieta, assim como existem aqueles que oferecem poucos benefícios, isso se oferecer algum.
- Estudos de pesquisas demonstraram consistentemente que as dietas ricas em grãos integrais, frutas e hortaliças foram associadas a menores taxas de câncer.
- Não há necessidade de ter medo da comida. Crie um estilo de alimentação inclusivo que enfatize grãos integrais, frutas e hortaliças, proteínas magras e gorduras insaturadas, independentemente de serem processados ou em sua forma integral.
Na cultura de hoje focada em alimentos, a frase “alimentos processados” está presente em todo o lugar. Normalmente, o termo traz um tom negativo e às vezes por boas razões. Um exemplo são as pesquisas que têm mostrado que o excesso do consumo de alimentos processados com alto teor de sal, açúcar e gordura pode levar a resultados de saúde ruins. Adicione “ultra” a “processado” e você ainda verá mais pessoas falando sobre isso. É o caso de um novo estudo de Fiolet et al., publicado no British Medical Journal, que examinou a relação entre os alimentos ultra processados e o risco de câncer. Mas antes de limpar sua despensa ou jurar ficar longe dos doces, vamos dar uma olhada nos pontos fortes, nas limitações e nas aplicações desta pesquisa.
PRINCIPAIS PONTOS DO ESTUDO
Este estudo avaliou as associações entre o consumo de alimentos “ultra processados” e o risco de câncer em um estudo de coorte baseado numa população na França. Quase 105 mil participantes com pelo menos 18 anos de idade foram recrutados na coorte francesa NutriNet-Santé, e o consumo alimentar foi coletado usando registros alimentares repetidos autorreportados de 24 horas com base na web. Esses registros foram vinculados a 3.300 itens alimentares diferentes, e o grau de processamento foi categorizado pela classificação NOVA, que provocou certo criticismo na comunidade acadêmica. Esse criticismo será discutido mais adiante no artigo.
Os alimentos incluídos no estudo foram:
- Pães e bolos embalados
- Petiscos doces ou salgados embalados
- Produtos de confeitaria e sobremesas industrializados
- Refrigerantes e bebidas açucaradas
- Almondegas, nuggets de peixe e frango e outros produtos de carne reconstituídos transformados com adição de conservantes com exceção para o sal (por exemplo, nitritos)
- Macarrão e sopas instantâneas; refeições prontas congeladas ou prontas para consumo
- Outros produtos alimentícios feitos principalmente ou inteiramente a partir de açúcares, óleos e gorduras e outras substâncias que não são comumente usadas em preparações culinárias, como óleos hidrogenados, amidos modificados e isolados de proteínas
O estudo identificou que, para cada aumento de 10 por cento na ingestão de alimentos ultra processados, houve um aumento associado de 12 por cento no risco geral de câncer.
O QUE ESTE ESTUDO TEM DE CORRETO
A evidência científica estabeleceu há muito tempo que o consumo em excesso de alimentos processados ricos em sal, açúcar e gordura, podem levar a resultados de saúde ruins, por isso estes novos achados não são surpreendentes. Além disso, os autores do estudo falaram muito sobre as aplicações dos resultados. Um dos coautores do estudo, Mathilde Touvier, ressalta que é impossível vincular alimentos ultra processados ao risco de câncer. Ela também enfatiza que são necessários outros estudos para confirmar esses resultados mais recentes e para entender a relação potencial entre alimentos específicos e risco de câncer.
COLOCANDO OS ACHADOS NO CONTEXTO
Conforme mencionado acima, a definição de alimentos processados utilizados no estudo recebeu certo criticismo da comunidade científica. Conversando com a BBC, Ian Johnson, PhD, do Quadram Institute criticou a imprecisão do termo ultra processado, afirmando que: “O problema é que a definição de alimentos ultra processados [dos pesquisadores] utilizada é tão ampla e mal definida que é impossível decidir exatamente quais, se houver, conexões causais foram observadas”.
No mesmo artigo da BBC, Tom Sanders, PhD, do King’s College de Londres, faz eco da fala de Johnson. Ele ressalta que o pão produzido em escala seria classificado como ultra processado, mas um pão caseiro ou pão de uma padaria local não seria. Sanders diz que a classificação NOVA “parece arbitrária e baseia-se na premissa de que os alimentos produzidos industrialmente têm uma composição nutricional e química diferente da produzida em casa ou por artesãos. Este não é o caso.”
Ao analisar os fatores de confusão do estudo – as características ambientais e de estilo de vida que podem influenciar os resultados – podemos fornecer algum contexto adicional a esses achados. Por exemplo, o estudo identificou que aquelas pessoas com maior risco de câncer eram muito mais propensas a fumar, eram menos ativas, consumiam mais calorias em geral e eram mais propensas a tomar anticoncepcionais orais. Embora o estudo tenha explicado algumas dessas variáveis, os autores afirmam que seu impacto “não pode ser excluído inteiramente”.
Além disso, se você olhar para os achados do risco relativo do estudo e colocá-los no contexto apropriado, os resultados ficam menos chocantes. Por exemplo, no período de cinco anos, no qual o estudo foi realizado, houve cerca de 2.200 casos documentados de câncer entre os 105.000 participantes. Esta é uma taxa de cerca de 2,1 por cento. Aplicando os achados de que houve um aumento de 12% no risco geral de câncer em indivíduos que consumiram mais alimentos ultra processados se traduz em um aumento de 0,25 ponto percentual na taxa de câncer. Assim, a alteração que o estudo encontrou foi um aumento na taxa global de câncer de 2,1% para 2,35%.
O QUE ESTE ESTUDO TEM DE ERRADO
Este estudo postula que alguns ingredientes e compostos químicos adicionais como bisfenol-A (BPA), o dióxido de titânio e o aspartame podem desempenhar um papel nesses achados. Os consumidores têm a opção de comprar ou evitar produtos com esses compostos, entretanto, décadas de pesquisa científica estão por trás de cada um deles, mostrando que eles estão seguros nos níveis nos quais os consumimos.
Por exemplo, o BPA tem sido usado em embalagens de alimentos há mais de 50 anos para prevenir a deterioração de alimentos e doenças transmitidas por alimentos. A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA aprova todos os materiais de embalagem de alimentos como “substâncias de contato com alimentos” e confirmou que há informações científicas suficientes para demonstrar que o uso desses materiais é seguro. A FDA não é a única agência que confirmou a segurança do BPA: organizações do mundo todo também chegaram a essas mesmas conclusões.
O estudo também menciona o dióxido de titânio, um mineral natural que é processado, refinado e adicionado a uma variedade de alimentos para melhorar as cores dos alimentos. Os autores especulam que o dióxido de titânio pode estar contribuindo para algumas taxas aumentadas de câncer. No entanto, a FDA e outras agências internacionais concluíram que o dióxido de titânio é seguro nos níveis atuais de consumo.
O estudo também questiona o impacto na saúde do consumo de “edulcorantes não açucarados” – especificamente referenciando um estudo focado no aspartame. Os edulcorantes como o aspartame são produzidos para ajudar as pessoas em seus esforços para reduzir a quantidade de açúcar em suas dietas e a redução dos açúcares se tornou uma prioridade de saúde pública. Mais importante ainda, a segurança dos edulcorantes não açucarados está bem estabelecida, com a FDA aprovando o aspartame novamente em 1981. Hoje, o aspartame é um dos muitos adoçantes não açucarados permitidos pela FDA e por outras autoridades de saúde no mundo todo. Embora os autores possam estar em desacordo com o consenso científico mundial, citar um estudo controverso não supera décadas de evidências de centenas de estudos científicos que apoiam a segurança dos edulcorantes não açucarados.
“PROCESSANDO” ESTES ACHADOS
Tenha em mente que, embora alguns alimentos processados devam ter seu consumo limitado, nem todos os alimentos processados são criados iguais. Há aqueles que contribuem com vitaminas, minerais e nutrientes importantes para a nossa dieta, assim como existem aqueles que oferecem poucos benefícios, isso se oferecer algum. Embora evitar ou eliminar certos alimentos seja uma estratégia de alguma ajuda, o mais importante é o nosso padrão de alimentação geral. Em vez de ter medo dos alimentos, crie um estilo de alimentação inclusivo que enfatize grãos integrais, frutas e hortaliças, proteínas magras e gorduras insaturadas, independentemente de serem processados ou em sua forma integral.
Este blog inclui contribuições de Kris Sollid, RD, Tamika Sims, PhD e Allison Webster, PhD, RD.